Fonte: http://globoesporte.globo.com/platb/saqueevoleio/
Reportagem de Alexandre Cossenza
Se eu não fosse brasileiro, gostaria de ser gaúcho. Ou de, pelo
menos, ter vivido minha formação jornalística no Rio Grande do Sul – e
aprendido a brincar com o bairrismo da região. Alguns dos melhores
textos jornalísticos publicados em português hoje em dia são de gaúchos.
Algumas das entrevistas mais importantes que fiz foram com gaúchos
(duas delas, com Larri Passos). Mas independentemente do conteúdo
jornalístico, é sempre possível ter uma conversa agradável com um
conterrâneo de Humberto Gessinger.
Foi meio assim meu papo aqui no Jockey Club Brasileiro, sede do
Challenger do Rio de Janeiro, com Marcelo Demoliner, nascido em Caxias
do Sul há 24 anos. Em um momento de ascensão no ranking de duplas e
queda no de simples, Demo, como é chamado no circuito, viveu
recentemente a indecisão pela qual passaram Bruno Soares, Marcelo Melo e
André Sá. Chegou a hora de dedicar os treinos exclusivamente ao
circuito de duplas?
Nosso papo começou falando disso, mas abordou muito mais. Demoliner
falou sobre as fraturas por estresse no pé que quase encerraram sua
carreira, contou o método de visualização que pratica desde conversas
com uma psicóloga e falou de como sua vida mudou desde que veio morar no
Rio de Janeiro. Na entrevista, que em um momento não tinha nem mais
cara de entrevista (o que é quase sempre bom), ainda falamos de Grêmio,
Flamengo, Vasco, cozinha e faculdade. E vale prestar muita atenção na
última resposta. Leiam!
Hoje você é 80 do mundo em duplas e 364 em simples. Um
ranking está começando a ficar bem distante do outro. Já chegou o
momento de pelo menos começar a pensar se você vai se dedicar só para as
duplas?
Pois é. Eu, agora, tenho pensado bastante nisso. Conversei bastante
com duplistas nesses ATPs que joguei. Conversei com alguns singlistas
também. E vejo que eu sou muito novo para jogar dupla. A carreira de
dupla é mais longa. Então meu sonho ainda é jogar um Grand Slam de
simples, chegar a top 100. Acredito que tenho potencial para isso. Eu,
nesses dois meses jogando só dupla, melhorei muito meu nível de dupla,
só que caí um pouco meu nível de simples porque eu não pratiquei
simples. Agora joguei esses dois Challengers (São Paulo e Rio de
Janeiro) na chave principal… Vou te dizer sinceramente: é outro esporte.
Tu tá acostumado a jogar só de um lado, não tem movimentação, é bem
diferente. Perdi bastante o ritmo só que agora vou treinar a jogar
simples mesmo. Vou continuar mantendo meu ranking na dupla, estou
tentando buscar um parceiro para o US Open e… Eu adoro jogar dupla
também. Acredito muito no meu potencial. Até o Bruno (Soares), o Marcelo
(Melo), e o André (Sá) dizem que eu tenho potencial então com eles
falando eu já acredito bastante, como acredito bastante em mim. Mas eu
sou muito novo para ficar só na dupla ainda.
Era exatamente o que o André estava falando na sala de
imprensa outro dia. Que a carreira de duplas é mais longa, se quiser
mudar depois, você pode fazer isso e jogar até trinta e altos…
Exatamente.
Nessas conversas com outros tenistas, o quanto isso mexe com
seu ego? Porque imagino que você acabe pedindo análises sobre o seu
jogo.
Sempre busco dicas dos que estão no topo, principalmente do Bruno e
do Marcelo, que estão ali no topo, e do André, que é um baita duplista e
já foi um grande singlista e tem uma baita bagagem. Aproveitei muito
com ele esses torneios ATPs, melhorei muito meu nível. Eu falava direto
com os duplistas. Ganhei do Hewitt, fiz jogo duro com Blake, Karlovic.
Eu vejo que estou no nível. E jogando esses torneios eu me acostumo
nesse nível para ficar e melhorar.
Você lembra do momento exato que você considerou pela primeira vez uma carreira como duplista?
Cara, eu não lembro um momento exato. Foi acontecendo. Eu
comecei a jogar com o Feijão. Ganhamos um Challenger, fizemos final de
outro e a gente viu que jogava bem. “Vamos ficar nessa dupla”. Daí foi
indo, “pô, tô quase top 100″, entendeu? Foi assim, só que eu também
estava quase no meu melhor ranking de simples, por isso não estava
pensando na dupla ainda. Eu estava 230. Só que agora, este mês, eu perdi
100 pontos por causa da dupla. E foi assim, aos pouquinhos. Eu fui para
a Davis, treinei bastante dupla e ali eles me deram bastante dica. Eu
sempre fui um cara agressivo, de voleio, e isso é propício para a dupla.
Foi assim, indo.
Seu primeiro ATP foi um Brasil Open lá atrás e você jogou de novo este ano. Mas aí você entrou em Wimbledon este ano. Como foi?
Eu nunca tinha jogado na grama. Ali foi uma bela experiência. Peguei
de cara os Bryan (risos). Imagina, primeiro Grand Slam, meu Grand Slam
favorito, já pegar os melhores da história da dupla… Eu estava em
êxtase. Foi bem legal. Daí eu joguei simples, passei rodada do quali
tive chance de passar a segunda e senti que eu jogava bem em grama.
Confiei no meu taco também e levei isso para Newport.
Lá em Newport você fez semi. Teve a sensação que está no nível dos caras?
Com certeza, porque eu já ganhei, de cara, do Hewitt e do Guccione. O
cara saca que nem um monstro. Depois a gente ganhou do Sijsling e do
Ebden. Jogamos bem, daí na semi a gente jogou com o Mahut e o Vasselin. O
Mahut estava numa semana… Com a pura confiança! (O francês foi campeão
de simples e duplas em Newport) Depois a gente foi para Bogotá, mas foi
uma pena porque choveu bastante em Newport, e a gente jogou a semi no
domingo à noite. A gente chegou em Bogotá na terça-feira, treinou só de
tarde para jogar na quarta-feira na altitude, com bola murcha, contra o
Karlovic e o Moser, que são dois brutamontes sacando.
E você perdeu de dois campeões de simples em duas semanas seguidas….
Exatamente. Isso aí é do esporte. Isso aí é tênis. E depois a gente
jogou com o Blake e o Sock em Atlanta. Eu joguei muito bem esse jogo.
Tivemos chances, ganhamos o primeiro set. E eu senti que estou no nível.
E é um impacto grande sair de uma sequência de Grand Slam e dois ATPs e voltar para um Challenger?
Eu não me importo com isso. É um caminho, vai acontecer ainda. Estou
bem tranquilo nesse aspecto. Não me importo nem um pouco. Sou
profissional o suficiente para jogar até Future com a mesma seriedade.
Você está treinando onde hoje?
Na Tennis Route, aqui no Rio.
E você mora aqui há quanto tempo?
Faz quase dois anos. Foi a melhor mudança da minha vida. O Duda
(Matos) e o Gringo (o argentino Walter Preidikman) me trouxeram. Estou
full-time com o Duda. Eu precisava de uma mudança. Estava um pouco
acomodado lá no IGT (Instituto Gaúcho de Tênis, onde Demoliner treinou
por cinco anos), e foi bem legal essa mudança porque quando eu vim para
cá eles me acolheram super bem. A Tennis Route é uma grande família, e
eu estava precisando um pouco de um carinho assim. Foi super legal,
todos me apoiando. O Fabiano (de Paula) também… A gente se uniu, estamos
crescendo junto. Está super legal. O preparador físico é um dos
melhores do Brasil. É o Alexander Matoso. Ninguém conhece, mas eu falo
de carteirinha. Nunca mais machuquei. Nunca. Melhorei muito meu físico.
Cara, foi uma mudança muito boa.
E já que você falou, eu não lembro qual foi, mas você teve uma lesão séria.
Eu machuquei, cara. Foi o pior momento da minha carreira. Eu tava no
meu melhor ranking, cheguei a 230, ganhei um Challenger em Blumenau, do
Rogerinho na final, fiz semi em Campos do Jordão, ganhei do Ricardinho
nas quartas e perdi do Thiago. Eu estava super bem até que tive duas
fraturas por estresse no pé que me deixou fora quase um ano.
Nos dois pés?
Não. Duas seguidas no mesmo pé. Fiquei quase um ano parado. Voltei
para os Futures porque meu ranking tinha caído e foi aí que tomei cinco
primeiras rodadas seguidas. Quase parei de jogar ali. Depois joguei em
Blumenau e, do nada, fiz final de novo. Foi meu pior momento, e Blumenau
me resgatou. Ganhei de caras bons de novo e vi que tênis é muito
mental.
E você teve algum trabalho com psicólogo?
Depois da lesão, tu diz?
Ou durante mesmo…
Depois da lesão, que eu tomei essas cinco primeiras rodadas de
Future, eu joguei mais dois Challengers e perdi no quali. Comi um ovo
estragado e pequei salmonela. Não consegui jogar esses dois torneios.
Daí meu próximo torneio era Blumenau. Eu tinha um mês e meio para
treinar. Tinha uma psicóloga no IGT e fiz um trabalhinho com ela de
bastante visualização. Principalmente relembrando os momentos bons que
tive em 2009. Esse trabalho funciona bastante. Estou fazendo agora de
novo.
É aquele tipo que você faz logo antes de entrar em quadra?
Não. Esse eu faço antes de dormir, uma hora do dia. Também posso
fazer antes do jogo, mas prefiro não fazer assim. Não tem uma rotina. É
um treino mental. Esse trabalhinho que eu fiz lá ajudou bastante.
Como isso se reflete na hora do jogo? Você consegue explicar?
Isso te deixa… Tu sabe o que tu vai fazer. Tu fica mais convicto,
com mais coragem, porque está tudo mapeado, tudo detalhado na tua mente.
Tu tá treinando tua mente, então muitas vezes acontecem coisas que tu
já pensou. Eu acredito muito nisso e funciona realmente. Eu recomendo.
Fala um pouquinho mais de Rio de Janeiro agora. Que hábitos de carioca você já adquiriu?
O sotaque eu não vou perder nunca (risos). Nem quero. Sotaque eu não vou perder nunca (mais risos).
Você tem namorada? Carioca gosta de sotaque gaúcho.
(risos) Não tenho (mais risos). É muito difícil ter namorada porque…
Este ano foi o que eu mais viajei. Esta aqui é minha décima semana
seguida de torneio. Já viajei mais de 20 semanas. É muito difícil tu
namorar assim. Principalmente para elas, que querem mais carinho. É uma
coisa que escolhi para mim, não me importo. Com família é a mesma coisa.
Desde fevereiro que não vejo minha família. Mas eles me apoiam muito. O
importante é que eu tô feliz e é assim que as coisas vêm.
E em que parte da cidade você mora?
Moro no Recreio, dentro do Hotel Atlântico Sul, onde era a Federação
(Fterj) e agora é a Tennis Route. Moro na frente da praia, acaba o
treino eu dou um mergulho. Tem uma academia ali perto. Agora vamos
construir uma academia na Tennis Route, vai ficar super show.
Se tiver que escolher, Flamengo ou Vasco?
Olha, eu sou gremista, graças a Deus. Meu treinador é vascaíno e o
Fabiano é flamenguista. Eu gosto dos dois, fico neutro. Ainda não fui no
Maracanã. Vou esperar o Grêmio jogar aqui para conhecer.
Carioca gosta muito de churrascaria. Você, como gaúcho, consegue comer bem aqui?
Eu tô 90%… Tirei carne vermelha da minha dieta. Eu amo churrasco,
mas eu tirei a carne vermelha numa dieta que faço e me sinto muito
melhor. Adquiri muito sushi, peixe, peixe, e só quando vou para Caxias
do Sul, meu vô faz um belo churrasco, meu pai faz um belo churrasco…
Você sabe fazer?
Sei. Eu faço direto na casa do meu treinador.
Faz e quase não come?
Faço para mim um frango. Carneiro eu como. Cordeiro, que é uma carne
boa, que não faz tão mal quanto a carne vermelha de gado. Mas se tiver
que comer não tem problema. Eu adoro cozinhar, é um hobby que eu tenho.
Nos fins de semana, o treinador me chama para a casa dele, e a gente
sempre inventa alguma coisa. Uma massa, um risoto… Eu que faço. A esposa
dele me ajuda às vezes.
E quem te ensinou a cozinhar?
Meu avô. Quando eu treinava em Porto Alegre, todos os fins de semana
que eu estava sem viajar eu pegava um ônibus e ia para Caxias. E todo
domingo, meu avô inventava um prato novo. Eu adorava isso, peguei o
gosto. Fui aprendendo aos pouquinhos. É um hobby.
Que outro hobby você tem? Se é que dá tempo de ter outro hobby…
Eu faço faculdade a distância na Estácio de Sá. Faço marketing.
Tenho apoio da Estácio de Sá, que me ajuda bastante em despesas. A
Unimed também está nos ajudando na Tennis Route. A Tennis Route também
me ajuda. E também, é que nem meu pai sempre me fala: “Cultura ninguém
te tira. Podem tirar teu carro, tua casa, tudo, mas aqui dentro, na
cabeça, ninguém te tira”. Então não tem por que não aprender.
Bela Reportagem, onde percebemos que atingir o topo não é nada fácil, porem precisa ter um físico privilegiado, uma cabeça sadia, estabelecer metas e persegui-las até sua concretização, e acima de tudo jogar se divertindo, o que muitas vezes até eu que jogo eventualmente cobro resultados, erroneamente, ao invés de cobrar satisfação e felicidade.
ResponderExcluirAntonio lovison.