O tênis mudou muito e ninguém percebeu. Ou perceberam e o fato é
que mudou em tantas maneiras que algumas seguiram desapercebidas. Hoje
temos dois balzaquianos arrasando no circuito, independente de Serena e
Roger serem ou nao os líderes do ranking. Ambos sao os tenistas com mais
títulos, entre mulheres e homens, e ambos farão uma firme marca na
história. E digo isso nao pelo fato de ainda jogarem competitivamente
aos 34 anos (Serena completa em Setembro). Uma década atrás, nessa idade
tenistas estavam em casa pensando qual seria sua próxima atividade ou
profissão. Agora ambos estão jogando o melhor tenis de suas vidas,
independente de nao estarem em seus respetivos auges físicos.
Uma das razoes para tal feito, a mais óbvia, é que os tenistas cuidam
de seus corpos com muito mais know-how e a mais tempo do que antes.
Imaginem se Gustavo Kuerten tivesse tido esse tipo de know-how a sua
disposição quando iniciou sua carreira profissional. Além disso, Serena e
Federer foram os tenistas mais dominantes de suas épocas. As
consequências disso é que jogaram mais jogos importantes, adquiriram
mais experiência em momentos determinantes, testaram seus golpes em
situações de estresse mental/emocional e foram descobrindo com mais
alcance o que funciona ou nao. Isso os fez melhores, compensando o que
foram perdendo de vigor. Como fazem parte da primeira geração que
investiu dessa maneira diferenciada no preparo físico, estão conseguindo
alongar suas carreiras com extrema qualidade, usufruindo das descritas
vantagens dessa longevidade.
Ambos tiveram picos e vales em suas carreiras, mais ou menos severos –
Serena sendo bem mais radical nisso. Roger foi bem mais uniforme, o que
acrescenta a sua grandeza. Seus maiores problemas foram uma certa
acomodação técnica por ter siso considerado, prematuramente, como o
GOAT, e Rafael Nadal. E ultimamente Novak Djokovic. Mas, para mim, seu
maior adversário sempre foi os limites que se impôs.
Rafa Nadal deixou de ser sua pedra no sapato por razoes recentes bem
conhecidas e as quais lamentamos muito. Sobre Novak, que vem jogando um
tênis soberbo dentro de seus horizontes, os quais nao cansa de explorar,
temos a surpreendente “aula” em Cincinnati. Sobre Serena já
escrevi em outras ocasiões e escrevei mais no futuro.
Hoje o assunto é o notável torneio que Roger jogou em Ohio e a acachapante vitória na final.
Federer venceu Cincinnati sem perder um game de serviço. Uma
conquista dessas em um evento desse nível e com os Oponentes do quilate
disponíveis é algo para a história. Nao só pela extrema qualidade
técnica necessária para tal feito, como pela exigência mental/emocional
de se fechar a porta na cara de cada adversário a cada game de serviço.
Sim, me chamou a atenção Roger Federer conseguir manter a
concentração a cada jogo, cada dia, cada game. Especialmente ele, que
sempre teve a tendência a entregar uma ou duas rapaduras nos momentos de
conforto. O cara jogou com o Tezao daqueles que chegam ao circuito e a
confiança daqueles que estão se despedindo; um equilíbrio tanto raro
como fenomenal e mortal.
Mas, o que mais me encantou, foi que, finalmente, aos 34 anos, o
suíço saiu da caixa – o que, convenhamos, deve ser difícil para um
helvético, mesmo Roger Federer.
Nunca o vi jogar assim. E sempre “cobrei” isso dele. Por que ele nao
trazia para os jogos exatamente aquilo de mais surpreendente o seu
talento pode oferecer? Um tênis incalculado, inaudito, imprevisível,
impremeditado. Porque somente os gênios sao capazes de manter a
qualidade, enquanto incorporam os adjetivos do instinto, algo que foge
da equação da repetição, da lógica, do acervo construído dos reles
mortais. No entanto, desconsiderando lampejos esporádicos e
insuficientes, Roger se recusava a adotar uma estratégia onde os
ingredientes excepcionais de seu repertório nao ficassem ocultos.
Parecia ter pudor em apresentar o que pudesse ser visto como um avilte
ao adversário; como se muito do normalmente fazia nao o fosse.
Quem viu a final, ou mesmo os outros jogos de Cincinnati, sabe do que
falo. Quem nao viu perdeu o Cara respondendo serviço do #1 do mundo
quase na linha do saque, chip and charge como há muito nao se vê,
esquerdas de bate pronto, de slices, com top ou chapadas, voleios
esticado no máximo da tensao corporal e acertando, direitas de ataque
que viravam deixadinhas com uma sutil munhecada, forehands a la squash,
serviços à punhalada e outras cositas más.
O Homem saiu da caixa. Agora
quero ver quem o coloca lá de novo antes do final do US Open.
Acho que
só ele mesmo.
Fonte: http://paulocleto.ig.com.br
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